Por Paulo Adriano Gonçalves Berardo de Andrade, Mestre em
Direito do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Urbanismo pela Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra.
1* Proponho a
retirada e eliminação completa da ação A15.67 do PENSE 2020
Desde já, importa dizer que é retrógrada e denota ser
discriminatória negativamente a hipótese de um estudo sobre introdução da
obrigatoriedade do capacete ciclista contemplada na ação A15.67 do PENSE 2020.
Esta contraria a prática em toda a Europa e é duplamente contrariada pelo
fenómeno da “segurança pelos números”, dado que a obrigatoriedade (e mesmo a
simples promoção) da utilização do capacete induz a redução da utilização da
bicicleta. Note-se, que o que aumenta a segurança dos ciclistas é, sim, o
aumento do seu número absoluto e relativo em circulação - a chamada «Regra de
Jacobsen» - de modo a que, sobretudo, os automobilistas aprendam e se habituem
a respeitar os ciclistas.
Sobre a «Regra de Jacobsen» ver - Peter Lyndon Jacobsen, «Safety in numbers: more
walkers and bicyclists, safer walking and bicycling»: http://injuryprevention.bmj.com/content/9/3/205.abstract «Conclusion: A
motorist is less likely to collide with a person walking and bicycling if more
people walk or bicycle. Policies that increase the numbers of people walking
and bicycling appear to be an effective route to improving the safety of people
walking and bicycling».
Acresce que a maioria dos desastres envolvendo ciclistas não
envolvem ferimentos na cabeça mas noutras partes do corpo como refere a
Professora Ana Santos, da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de
Lisboa, em relação a milhares de casos que tem registado nas suas pesquisas.
Ora, não se vai seguir a lógica enviesada da ação A15.67 do PENSE 2020 e
sugerir também um estudo sobre a obrigatoriedade de equipamentos de proteção
para todo o corpo do ciclista, tal e qual uma «armadura medieval»!…
Como se pode ver pela gráfico seguinte…
… na página
15 da investigação de Wrighton, Susanne; Reiter, Karl e Plank,
Christine/Forschungsgesellschaft Mobilität FGM/Austrian Mobility Research AMOR
(2011), 20 good reasons for cycling, TrendyTravel (www.trendy-travel.eu) /Bicy Project (www.bicy.it) - co-financed by
the European Regional Development Fund in http://bicy.it/docs/86/Trendy_cycling_EN_web.pdf ... é pouco provável um
acidente com a cabeça, por se andar de bicicleta, o que é equivalente à
probabilidade de um acidente na cabeça por se andar a pé, menos que a
probabilidade de um acidente na cabeça por se ser vítima de um crime e muito
menos que a probabilidade de um acidente na cabeça por se andar de carro. Ora, vai
seguir-se a lógica enviesada da ação A15.67 do PENSE 2020 e sugerir também um
estudo sobre a obrigatoriedade de capacete para todos os peões, para todas as
possíveis vítimas de um crime ou para todos os condutores de automóveis!...
Para além do estudo previsto na ação A15.67 do PENSE 2020
não fazer sentido nem ser desejável, além de ser indício de hipótese retrógrada
e discriminatória negativamente, importa dizer que não parece que a ANSR tenha
a competência científica para tal estudo e que já existem, aliás, muitos
estudos de valor sobre a matéria como, por exemplo:
Conclui-se
com a leitura deste estudo que, leis que imponham a obrigatoriedade
do uso do capacete ciclista, constituem-se como fortes desincentivos à adoção
da bicicleta como meio de transporte, com consequências graves para a saúde
pública.
Note-se que, como diz Tolley, Rodney S. (ed.)
(2003), Sustainable Transport - Planning for Walking and Cycling in Urban
Environments, Cambridge: Woodhead Publishing Limited, ISBN 1855736144,
páginas 45 e 46: «Significant health benefits can be expected from the
attainment of an environmentally sustainable transport system. Firstly, more
bicycling and walking involves more exercise. The guidelines from the World
Health Organization (WHO) for healthy living (‘30 minutes of moderate exercise,
such as brisk walking, every day’) will be met by more people, which may have
several health benefits. The risk of coronary heart disease, diabetes, high
blood pressure, and obesity may be reduced, and symptoms of depression and
anxiety may be relieved» remetendo para o seguinte estudo da Organização
Mundial de Saúde «A total of 30 minutes of brisk walking or cycling a day,
on most days, even if carried out in ten to fifteen minute episodes, reduces
the risk of developing cardiovascular diseases, diabetes and hypertension, and
helps to control blood lipids and body weight (…) In Europe the average trip
taken on foot (to reach work or for leisure or shopping) is currently about 2
km and the average cycling trip is about 3–5 km. Each takes around 15 minutes,
enough to provide the above-mentioned health benefits (…) Cycling and walking
are forms of physical exercise accessible to the vast majority of the
population, regardless of income, age and location: it is estimated that over
96% of citizens can walk, and over 75% can ride a bicycle» in Dora, Carlos e
Phillips, Margaret (ed.) (2000), Transport,
environment and health, Copenhagen: WHO Regional Publications, European
Series, Nº 89, ISBN 9289013567, páginas 31 e 32 in http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/87573/E72015.pdf
A maior organização de ciclistas europeia a Federação
Europeia dos Ciclistas / European Cyclist Federation (ECF) tem vincado que a
opção por usar capacete deve ser deixada aos indivíduos e que a Federação é por
isso contra leis que imponham a obrigatoriedade do uso do capacete ciclista.
Ver atentamente –
https://ecf.com/what-we-do/road-safety/ecf-position-helmets .
Considero que os utilizadores de bicicleta devem poder optar livremente e em consciência
em função do percurso e da sua própria perceção do perigo, quanto à necessidade
ou não do uso do capacete.
É, por ser prejudicial haver uma lei que obrigue à utilização do
capacete ciclista (equipamento de segurança passiva), que a grande maioria
dos países do mundo (incluindo a Europa no seu todo, nomeadamente os países com
maior percentagem de utilizadores da bicicleta), não tem tal lei e, por isso,
ainda menos deve ser considerado o estudo referido na ação A15.67
do PENSE 2020.
A hipótese de uma tal obrigatoriedade não deve ser equacionada em
Portugal pela ANSR no âmbito do PENSE 2020 pois os malefícios decorrentes de
tal imposição seriam graves para a Saúde, para o Ambiente e até para a própria Segurança
Rodoviária. Como tal: Por ser retrógrada e denotar ser
discriminatória negativamente Proponho
a retirada e eliminação completa da ação A15.67 do PENSE 2020
2* No
PENSE 2020, quanto à segurança dos utilizadores de velocípedes, devem sobretudo
ser pensadas ações, sobre a necessidade da inserção nos vários
níveis do Ensino Escolar do Ensino da Segurança Rodoviária e das Regras do
Código da Estrada e do Regulamento de Sinalização de Trânsito, nas Escolas
portuguesas, à semelhança do que se faz em França, além de que são também importantes
ações sobre a possibilidade do Ensino da prática da condução de
velocípedes no Ensino Básico e no Ensino Secundário.
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3* No PENSE 2020 devem ser pensadas ações que promovam a
necessidade de criação de medidas de acalmia e redução do tráfego motorizado
(nomeadamente do automóvel ligeiro privado) em meio urbano, tal como tem sido a
tendência há décadas nos países europeus mais civilizados, de modo a
conseguir-se uma segurança rodoviária ativa.
Por último, faço notar que nas questões relacionadas com
condutores de velocípedes/«bicicletas», nomeadamente a propósito do PENSE 2020,
é muito importante que a ANSR e instituições públicas oficiais ouçam e
auscultem as associações representativas de tais ciclistas como a FPCUB (Federação Portuguesa de Cicloturismo e dos Utilizadores da Bicicleta) e como a
MUBI (Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta) * ver respetivamente