Penso que os eucaliptos queimados podem ser usados para pasta de papel porque os troncos só ardem um pouco por fora. Mas não me parece que as celuloses tenham interesse numa gestão que implique o provocar incêndios, pelo menos nos seus eucaliptais (quanto aos pinhais dos outros tenho algumas dúvidas nomeadamente quanto a alguns madeireiros menos honestos). O que é «criminoso» é terem centenas de milhares de hectares de monocultura de eucalipto em mancha praticamente contínua quando deveriam ser limitados a no máximo só poderem plantar até uns 30% de eucalipto, pirófilo/«amigo» do fogo, mas misturando com outras espécies autóctones, pirófitas = que resistem ao fogo. Por outro lado: cerca de 95% da floresta em Portugal é privada e essa propriedade está pouco condicionada em termos de gestão florestal e prevenção do risco e incêndios. Das duas uma (ou até as duas em conjunto). Boa parte dos terrenos privados poderia ser nacionalizada e/ou a propriedade muito condicionada no sentido de implicar muito mais obrigações no seu uso em termos florestais (limitação de área de monocultura de eucalipto em percentagem da área; obrigação de plantação de floresta autóctone com aumento em percentagem da área; obrigação de construção de aceiros / corta fogos; obrigação do corte e gestão dos matos arbustivos;...) = no fundo algo semelhante a como a propriedade é condicionada em termos urbanos de construção e urbanização... É muita «estupidez» acumulada durante décadas (Alterações Climáticas, monoculturas de eucalipto,...) e alguma «estupidez» conjuntural (queimadas ilegais de matos cortados, etc...). Quanto aos eucaliptais acho que as celuloses não têm interesse «direto» em provocar incêndios, quanto aos pinhais tenho algumas dúvidas, nomeadamente, quanto a alguns madeireiros menos honestos, por exemplo com o objetivo de levar à substituição por eucaliptais, mas no geral as ignições primárias são por negligência e, isto parece-me objetivo, pelo que tenho observado no terreno e analisando a informação que me chega... As outras ignições são projeções pelas folhas e cascas do eucalipto, sobretudo. Mas a causa das ignições primárias é, a meu ver, relativamente pouco importante e, sinceramente,e aborrece-me o espírito pidesco/cristão inquisitorial de andar à procura de culpados e bodes expiatórios. A questão fundamental nos incêndios é que se vão continuar a repetir enquanto não houver políticas públicas (nacionais) para alterarem o quadro das monoculturas de eucalipto, da falta de floresta autóctone e do regime de propriedade florestal, assim como políticas públicas nacionais e internacionais que limitem o alcance das Alterações Climáticas e o risco associado.
Há 28 anos um povo lutou contra os eucaliptos. E a terra nunca mais ardeu
Em 1989 houve uma guerra no vale do Lila, em
Valpaços. Centenas de pessoas juntaram-se para destruir 200 hectares de
eucaliptal, com medo que as árvores lhes roubassem a água e trouxessem o
fogo. A polícia carregou sobre a população, mas o povo não demoveu.
Em
quase três décadas o Lila escapou ileso aos incêndios. Hoje, todos
dizem que é por se terem livrado dos eucaliptos. E lamentam que o resto
do país não lhes tenha resistido.
A
31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do
Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha
plantado na região. [Arquivo JN]
A
polícia respondeu com uma carga à população, mas revelou-se incapaz de
travar os avanços de 800 populares sobre a propriedade. [Arquivo JN]
Quando a cavalaria da GNR se viu cercada, entrou em campo o corpo de intervenção. Só aí os ânimos acalmaram. [Arquivo JN]
No
vale do Lila não há mais de sete ou oito aldeias e todas vivem do
olival. Os eucaliptos secar-lhes-iam os terrenos e trar-lhes-iam
incêndios.
António
Morais foi o cabecilha dos protestos. Percorrendo as aldeias depois da
missa foi convencendo o povo que o lucro fácil traria prejuízos a médio
prazo.
Hoje,
o povo sente que a destruição dos eucaliptos foi a sua salvação. E
dizem que, se tivessem deixado aquela floresta avançar, não teriam
escapado aos incêndios de 2017.
Hoje os terrenos da quinta do Ermeiro são diversos. Há oliveiras e nogueiras, amêndoa e pinho. Em três décadas, nenhum incêndio.
João
Sousa esteve na organização dos protestos à socapa, era presidente da
freguesia da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo sem educação mas
afinal nós é que estávamos certos.»
Os
eucaliptos tinham sido plantados há pouco tempo, não foi preciso usar
sacholas nem enchadas. Foram arrancados pelas mãos de homens e mulheres,
canalha e velharia.
A oliveira e o azeite sempre foram a riqueza da região. É sobretudo disso que ainda vivem hoje as populações de Valpaços.
Ester
Oliveira viu o marido ser detido durante os confrontos por posse de
arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que ele não arredava pé
enquanto ele não fosse libertado.»
A
população tinha recuado depois da chegada do corpo de intervenção, mas
voltara à carga para defender José Oliveira. A guerra terminou com a sua
libertação.
Alguns
dos organizadores foram levados a tribunal por invasão de propriedade
privada e condenados a pena suspensa. E todos dizem que voltariam a
repetir o crime.
Natália
Esteves organizou assembleias, bateu à porta dos vizinhos, conseguiu
convencer dezenas de agricultores que o eucalipto traria seca e fogo.
Dos
200 hectares de eucalipto não sobram hoje mais do que uma dúzia de
árvores junto ao casario do Ermeiro. Se alguém os quiser plantar, o povo
arranca-os.
Maria João Sousa tinha 15 anos quando viu a revolução chegar à sua aldeia. Diz que foi o 25 de Abril da sua gente.
Em
quase três décadas o Lila escapou ileso aos incêndios. Hoje, todos
dizem que é por se terem livrado dos eucaliptos. E lamentam que o resto
do país não lhes tenha resistido.
A
31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do
Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha
plantado na região. [Arquivo JN]
Texto de Ricardo J. Rodrigues | Fotografia de Rui Oliveira / Global Imagens
«Foi o nosso 25 de Abril», diz Maria João Sousa, que tinha 15 anos
quando a revolução chegou à sua terra. No dia 31 de março de 1989, a
rebate do sino, 800 pessoas juntaram-se na Veiga do Lila, uma pequena
aldeia de Valpaços, e protagonizaram um dos maiores protestos ambientais
que alguma vez aconteceram em Portugal.
A ação fora concertada entre sete ou oito povoações de um
escondidíssimo vale transmontano, e depois juntaram-se ecologistas do
Porto e de Bragança à causa. Numa tarde de domingo, largaram todos para
destruir os 200 hectares de eucalipto que uma empresa de celulose andava
a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propiedade agrícola da região.
À sua espera tinham a GNR, duas centenas de agentes. Formavam uma
primeira barreira com o objetivo de impedir o povo de arrancar os pés
das árvores, mas eram poucos para uma revolta tão grande.
A
polícia respondeu com uma carga à população, mas revelou-se incapaz de
travar os avanços de 800 populares sobre a propriedade. [Arquivo JN]
«Naquele dia ninguém sentia medo. Eles atiravam tiros
para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos
avançar», lembra Maria João Sousa.
Maria João, que nesse dia usava uma camisola vermelha impressa com a
figura do Rato Mickey, nem deu pelo polícia que lhe agarrou no braço.
«Ide para casa ver os desenhos animados», atirou-lhe, mas a rapariga
restaurou a liberdade de movimentos com um safanão: «Estava tão convicta
que não sentia medo nenhum. Naquele dia ninguém sentia medo nenhum.
Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a
fazer-nos avançar.»
A tensão subiria de tom ao longo da tarde. «Houve ali uma altura em
que pensei que as coisas podiam correr para o torto», diz agora António
Morais, o cabecilha dos protestos. Havia agentes de Trás os Montes
inteiros, da Régua e de Chaves, de Vila Real e Mirandela.
Mas também lá estava a imprensa, e ainda hoje o homem acredita que
foi por isso que a violência não escalou mais. Algumas cargas, pedrada
de um lado, cacetadas do outro, mas nada que conseguisse calar um coro
de homens e mulheres, canalha e velharia: «Oliveiras sim, eucaliptos
não».
«Não queríamos arder aqui todos»
A guerra tinha começado a ser preparada um par de meses antes, quando
António Morais, proprietário de vários hectares de olival no Lila,
percebeu que uma empresa subsidiária da Soporcel se preparava para
substituir 200 hectares de oliveiras por eucaliptal para a indústria do
papel. «Tinham recebido fundos perdidos do Estado para reflorestar o
vale sem sequer consultarem a população», revolta-se ainda, 28 anos
depois.
«Nessa altura o ministério da agricultura defendia com unhas e dentes
a plantação de eucalipto.» Álvaro Barreto, titular da pasta, fora anos
antes presidente do conselho de administração da Soporcel e tornaria ao
cargo em 1990, pouco depois das gentes de Valpaços lhe fazerem frente.
António
Morais foi o cabecilha dos protestos. Percorrendo as aldeias depois da
missa foi convencendo o povo que o lucro fácil trairia prejuízos a médio
prazo.
«A tese dominante dos governos de Cavaco Silva era que urgia
substituir o minifúndio e a agricultura de subsistência por monoculturas
mais rentáveis, era preciso rentabilizar a floresta em grande escala»,
diz António Morais. O eucalipto adivinhava-se uma solução fácil.
Crescia rápido e tinha boas margens de lucro. Portugal, aliás,
ganharia em poucos anos um papel de destaque na indústria de celulose e
os pequenos proprietários poderiam resolver muitos problemas de
insolvência abastecendo as grandes empresas com uma floresta renovada. A
teoria acabaria por vingar em todo o país, sobretudo no interior centro
e norte. Mas não em Valpaços.
«Comecei a ler coisas e percebi que o eucalipto nos
traria grandes problemas», diz António Morais. «Numa região onde a água é
tudo menos abundante, teríamos grandes problemas de viabilidade das
outras culturas. Nomeadamente, o olival, que sempre foi a riqueza deste
povo.»
«Comecei a ler coisas e percebi que o eucalipto nos traria grandes
problemas», continua António Morais. «Por um lado, numa região onde a
água é tudo menos abundante, teríamos grandes problemas de viabilidade
das outras culturas. Nomeadamente o olival, que sempre foi a riqueza
deste povo. E depois havia os incêndios, que eram o diabo. São árvores
altamente combustíveis e que atingem uma altura muito grande.»
Na terra quente transmontana o ano são oito meses de inverno e quatro
de inferno. O fogo, tinha ele a certeza, chegaria com aquele arvoredo.
Uns meses antes da guerra, começou a conversar sobre o seu medo com
algumas das mais relevantes personalidades do vale. Grandes
proprietários, políticos da terra, as famílias mais reconhecidas.
«Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil do
eucalipto seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar
secar a nossa terra. E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de
destruir aquele eucaliptal, custasse o que custasse.»
Anatomia da conspiração
O núcleo duro estava formado, era constituído por dezena e meia de
agricultores capazes de mobilizar o resto do povo. «Aos domingos, íamos
às aldeias e no fim da missa explicávamos às pessoas o que podia
acontecer à nossa terra», lembra Natália Esteves, descendente de uma
família de grandes produtores de azeite feita de repente líder de
protesto ecológico. «E também íamos de casa em casa, esclarecer quem não
tinha estado nas assembleias.»
Ao início houve renitência, a madeira valeria sempre mais do que a
azeitona, e a castanha ainda não rendia o que rende hoje. «Mas tentámos
sempre centrar a conversa no que aconteceria daí a uns anos, dizer que
os eucaliptos secariam os solos e o povo ficaria refém de uma única
cultura, que se alguma coisa corresse mal não teriam mais nada.»
João
Sousa esteve na organização dos protestos à socapa, era presidente da
freguesia da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo sem educação mas
afinal nós é que estávamos certos.»
O que mais assustava aquela gente, no entanto, era o fogo. «Onde há
eucalipto, tudo arde. E então o povo já não chamava a árvore pelo nome,
mas por fósforos.» A primeira batalha estava ganha: tinham o apoio da
população.
João Sousa era nessa altura presidente da junta da Veiga do Lila.
«Oficialmente não podia dizer que era contra os eucaliptos, nem ir
contra a polícia. Mas, quando falava com as pessoas, dizia-lhes o que
haviam de fazer», conta agora com uma gargalhada e sem ponta de medo.
«Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de
30 anos que não arde. Se o povo não se tem unido, estávamos a viver a
mesma desgraça que vimos por esse país fora», diz João de Sousa.
«Então se tínhamos o melhor azeite do país íamos dar cabo dele para
enriquecer uns ricalhaços de fora?» Tem 86 anos e uma destreza de 30,
hoje estuga o passo para mostrar a zona que podia ter sido caixa de
fósforos. «Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30
anos que não arde. Se o povo não se tem unido hoje estávamos a viver a
mesma desgraça que vimos por esse país fora.»
Essa é aliás a conversa mais recorrente por estes dias no vale do
Lila. A tragédia florestal portuguesa dá a este povo a impressão que
eles sim, tinham razão há muitos anos, quando o governo e as autoridades
lhes diziam o contrário.
«Podem achar que somos gente do campo, sem educação nem conhecimento,
mas nós cá soubemos defender a nossa terra», diz o velhote. «Temos
chorado muito por esta gente que perdeu vidas e animais e casas. E há
uma coisa que o meu povo sabe: se temos deixado ficar os eucaliptos,
também hoje choraríamos pelos nossos.»
A guerra
Há uns dias que os combates tinham começado. Ataques furtivos do
povo, desorganizadamente, para arrancar pés de eucalipto nos limites do
Ermeiro. Duas semanas antes da guerra, no Domingo de Ramos, as coisas
aqueceram.
«Juntámos duas centenas de pessoas aqui destas aldeias e os donos da
empresa chamaram a GNR», lembra António Morais. «Quando eles chegaram já
tínhamos dado cabo de uns bons 50 hectares de eucaliptal.» Nesse dia
não houve confrontos, porque o povo fugiu. Mas anunciaram a alto e bom
som que voltariam depois da Páscoa.
Esse ataque tinha feito notícia no Jornal de Notícias e
trazido uma mão-cheia de jornalistas à terra, nomeadamente Miguel Sousa
Tavares, da RTP. «Percebi que as coisas estavam a tornar-se muito
grandes e foi então que contactei a Quercus. Precisávamos de ajuda.»
A
31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do
Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha
plantado na região. [Arquivo JN]
Do outro lado da linha atendeu Serafim Riem, que dirigia o núcleo do
Porto da organização ambientalista. O ecologista partiu imediatamente
para o terreno. Nesses dias ouviriam do parlamento em Lisboa várias
palavras de solidariedade. Sobretudo do PCP, d’Os Verdes e de um jovem
deputado socialista chamado José Sócrates.
Agora não valia a pena esconder mais nada. A 31 de março de 1989,
domingo depois da Páscoa, o povo juntar-se-ia todo na Veiga do Lila para
dar cabo do eucaliptal que restasse. A aldeia enchera-se de
jornalistas, havia até um helicóptero a cobrir os acontecimentos do ar.
A direção nacional da Quercus demarcar-se-ia da organização dos
protestos através de um comunicado, mas os núcleos do Porto e Bragança
encheriam cada um o seu autocarro de ambientalistas carregados de
cartazes. Às duas da tarde o sino começou a tocar a rebate. Oito
centenas de vozes entoavam «oliveiras sim, eucaliptos não» e largaram
por um caminho de terra batida para a quinta do Ermeiro.
Numa hora, foram arrancados 180 hectares de pequenas
árvores. «Alguns gozavam com os agentes na cara e levaram umas
bastonadas das boas», recorda Natália Esteves.
Não era preciso usar enchadas nem sacholas, os eucaliptos tinham sido
plantados há pouco tempo e arrancavam-se com as mãos. A polícia tentava
fazer uma linha de defesa, mas duas centenas de agentes não chegavam
para aquela gente toda.
Numa hora, foram arrancados 180 hectares de pequenas árvores. «Alguns
gozavam com os agentes na cara e levaram umas bastonadas das boas»,
recorda Natália Esteves. Os que eram de perto diziam-lhes assim: «Tendes
razão, por isso vamos fingir que não vemos.» Viravam as costas e o povo
ia subindo o terreno.
Num instante, o casario da quinta tornava-se no último reduto da
investida. Uma dezena de guardas saíram a cavalo, era demonstração de
força mas não surtiu resultado. A Soporcel tinha construído socalcos
para plantar os eucaliptos e, agora, os animais não conseguiam
descê-los.
«O povo ia atirando pedras aos guardas, houve um que acertou no
cavalo e mandou-o abaixo», diz João Morais. Foi nesse momento que entrou
em campo o corpo de intervenção, disposto a levar toda a gente pela
frente. «Aí as coisas podiam ter descambado definitivamente.»
Todos por um
A guarda especializada avançava agora colina abaixo com escudos e
capacetes. José Oliveira, um agricultor da pequena aldeia de Émeres,
tentou escapar pela lateral, mas foi logo caçado pela guarda. No bolso
trazia um revólver e foi isso que o tramou. «Levaram-no logo detido para
dentro do jipe por posse de arma ilegal», conta agora a sua viúva,
Ester.
Aquela detenção marcaria o início do fim da guerra. «As pessoas
tinham recuado por causa do corpo de intervenção, mas quando se
aperceberam que um dos nossos estava preso começaram a gritar que não
arredariam pé enquanto ele não fosse solto», diz João Morais. Ester
anui, «foi o vale inteiro que salvou o meu homem.» Agora já não havia
pedras, havia gritos. Que libertassem o tio Zé e rápido.
Ester
Oliveira viu o marido, José Oliveira, ser detido durante os confrontos
por posse de arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que ele não
arredava pé enquanto ele não fosse libertado.»
Serafim Reim, o homem da Quercus, é que foi lá negociar a libertação
com os guardas. Sobravam menos de 20 hectares de eucalipto, o povo
deixá-los-ia em paz se soltassem o velhote. Uma hora depois, houve
consenso. Identificaram José Oliveira, caçaram-lhe a arma e mais tarde
levaram-no a tribunal, mas naquele dia saiu pelo seu pé para os braços
da mulher, e daí para casa.
António Morais, Natália Esteves, João Sousa e mais uma dezena de
organizadores do protesto também seriam chamados à barra da justiça, um
ano depois enfrentaram acusação de invasão de propriedade privada e
foram condenados com pena suspensa.
«Ainda vieram uns engenheiros da Soporcel dizer que retirariam a
queixa se nos comprometêssemos a não destruir uma nova plantação de
eucalipto. Disse-lhes que nem pensar, aqui nunca teríamos árvores dessas
no nosso vale.»
Nas noites seguintes arrancou-se à socapa quase tudo o que faltava,
ficaram apenas meia dúzia de hectares a rodear o casario da quinta, mais
passível de vigia. A Soporcel acabaria por desistir e vender a
propriedade e a família que a comprou, quando ousou confessar a Natália
Esteves que pensavam plantar eucaliptos, foram logo avisados: «Se os
botais nós os arrancamos.»
«A única maneira de travar os incêndios em Portugal é
reduzir drasticamente o eucaliptal e substituí-lo pela floresta
autóctone, que não só tem melhor imunidade ao fogo como gera uma riqueza
mais diversificada para as populações», diz o ambientalista Serafim
Riem.
Hoje, o Ermeiro é terra de nogueiras e amendoeiras, oliveiras e
pinho. Nunca ardeu. Serafim Riem, o ambientalista da Quercus, diz que
até hoje a guerra do povo de Valpaços é um marco, a maior ligação jamais
vista no país entre o mundo rural e o ativismo ecológico.
«A única maneira de travar os incêndios em Portugal é reduzir
drasticamente o eucaliptal e substituí-lo pela floresta autóctone, que
não só tem melhor imunidade ao fogo como gera uma riqueza mais
diversificada para as populações.»
Naquele 31 de março de 1989, o povo uniu-se e, diz agora, salvou-se.
«Nós é que tínhamos razão», repetem uma e outra vez, repetem todos. Às
seis da tarde, depois de José Oliveira ser libertado, um vale inteiro
voltou pelo mesmo caminho e juntou-se no principal largo de Veiga do
Lila. Mataram-se dois borregos e um leitão, abriram-se presuntos e
deitaram-se alheiras à brasa, houve até quem trouxesse uma pipa de
vinho. A festa durou noite dentro e foi maior do que qualquer romaria de
Santa Bárbara.
À volta da fogueira acabariam por juntar-se também os guardas que
horas antes defendiam o Ermeiro. E ali ficaram a comer e beber,
vencedores e vencidos, que em Trás-os-Montes nunca se nega
hospitalidade. Maria João Sousa nunca tinha visto uma coisa daquelas,
nem nunca voltaria a vê-la na sua terra. Foi o 25 de Abril da sua gente.
«Há lá coisa mais bonita do que uma revolução.»
É preciso acabar com a hipocrisia, com o mercado «negro» e as prisões cheias por pequenos delitos relacionados com o cânhamo. A propósito das rusgas policiais dos últimos dias a casa de pessoas com algumas plantas de cânhamo em autocultivo, digo: Foi por iniciativa do Bloco que já há vários anos o consumo em pequenas quantidades foi despenalizado... Mas não chega despenalizar em parte, é preciso mais: legalizar! Penso que o Bloco de Esquerda tem vontade de liberalizar o consumo e o autocultivo do cânhamo para uso medicinal e recreativo (à maneira do que já existe no Uruguai); mas é importante pressionar o bloco e as outras forças partidárias; contatar por exemplo: bloco.esquerda@be.parlamento.pt e http://www.parlamento.pt/Paginas/Contactos.aspx
Tinha que ser o Uruguai.
Não é casualidade que esse seja o primeiro país do mundo onde o Estado
se encarregará de controlar o cultivo, o empacotamento e a venda legal
de maconha em
farmácias — processo que terá início na primeira quinzena de julho —,
uma atitude que todas as nações vizinhas proíbem e combatem. O pequeno
país de cerca de 3 milhões de habitantes é governado, desde 2005, por
uma esquerda tranquila, que conseguiu alcançar um recorde histórico de
crescimento ininterrupto de sua economia. O Uruguai já foi o pioneiro na
América Latina em abolir a escravidão, aprovar o ensino laico, o
divórcio e em legalizar a prostituição. A separação entre Igreja e
Estado ocorreu há mais de 100 anos. Tudo chega antes no Uruguai, que
quase sempre serve de modelo para que outros sigam o mesmo caminho.
Uma loja em Montevidéu, Uruguai, que se dedica à venda de produtos relacionados ao consumo de maconha.AFP
“Eu consumo maconha desde os meus 15 anos de idade e nunca havia tido
acesso, tão facilmente, a um produto de tanta qualidade e tão barato.
As pessoas já não precisam ir às favelas para comprar essa droga. Os
traficantes também já não se interessam pela maconha, não dá dinheiro.
Eles se dedicam à venda de outras drogas. Quando vejo os problemas que
existem em outros países para fumar me considero sortudo”, afirma Lucas
López, que decidiu converter seu hobby em profissão e abrir uma loja de
objetos de todo tipo relacionados ao consumo da maconha, em plena
avenida 18 de julho, no centro de Montevidéu. O estabelecimento está
repleto de pôsteres enormes em vários idiomas que dizem “aqui não
vendemos maconha”, mas, ainda assim, turistas entram com frequência para
tentar comprar a droga.
A legislação é muito clara: só os uruguaios podem cultivar em suas casas e adquirir maconha,
oficialmente, nas 30 farmácias que já estão registradas para vender a
droga a um preço de 1,30 dólar (cerca de 4 reais) por grama, um valor
muito mais baixo que o cobrado por um produto de inferior qualidade no
mercado negro. Os compradores registrados precisarão colocar seu dedo em
um dispositivo na farmácia. Assim, a máquina poderá identificá-los e
verificará se já não excederam o limite legal de compra – 10 gramas por
semana. Esse mecanismo de controle garante também o anonimato, já que o
farmacêutico não tem acesso ao nome do cliente, e, uma vez mais, deixa
os estrangeiros de fora.
O país, que já é uma potência turística, quer que os visitantes
venham atraídos pelas praias, não pela droga. Essa experiência piloto é
única no mundo – há outros países onde a venda da maconha é legal,
mas em nenhum deles o Estado controla todo o processo, incluído o
design genético da planta, comprado de uma empresa espanhola. Tudo está
pensado para tirar do mercado ilegal os 160.000 uruguaios que, em algum
momento do ano, fumam maconha, e para acabar com um negócio que rende 30
milhões de dólares (95,7 milhões de reais) aos traficantes, além de
aumentar a violência e, inclusive, o índice de mortes em um país pouco
acostumado à insegurança que assola toda a América Latina.
Tudo começou em 2012, recorda Julio Calzada, o então responsável pela
política de drogas e máximo inspirador da lei que regula todo esse
inédito processo. O presidente do país era o atual senador José Mujica – agora com 82 anos –, um ex-guerrilheiro tupamaro que se converteu, na época, em um fenômeno mundial, com mais seguidores fora de seu país do que dentro dele.
A tranquila Montevidéu, uma cidade de poetas e cafés, amanheceu
comovida com um vídeo no qual um menor assassinava com um tiro, e a
sangue frio, um funcionário do conhecido restaurante La Pasiva, durante
um assalto. O homem tinha cinco filhos. Outras duas mortes violentas por
acertos de contas entre narcotraficantes, na mesma semana, escandalizou
tanto a sociedade que Mujica resolveu dar o primeiro passo para iniciar
um processo que culmina agora, em 2017, e que levou a uma mudança
integral da política de drogas e à legalização da maconha.
Um autocultivo de maconha em Montevidéu.Reuters
Cinco anos depois desse início, a colheita da planta, cultivada em
estufas protegidas pelo Exército, para evitar roubos, já foi realizada
com sucesso e o produto já foi devidamente embalado. As farmácias também
já estão preparadas para começar a vendê-la em, no máximo, duas
semanas. Alguns têm medo do que possa acontecer. As farmácias instalaram
um “botão do pânico” para poder chamar a polícia de forma mais rápida e
efetiva, caso seja necessário. No entanto, todos os especialistas no
assunto acreditam que não haverá mais do que tranquilidade, no melhor
estilo uruguaio. Não aconteceu nada de ruim quando o autocultivo foi
aprovado. Atualmente há 6.000 pessoas registradas que encheram suas
varandas e jardins em Montevidéu com a inconfundível planta. Os pés de maconha são tão visíveis que agora o problema são os roubos em época de colheita.
“Antes nos escondíamos da polícia e agora dos ladrões”, brinca Laura
Blanco, diretora do centro de cannabicultores Gaia. Os clubes cannábicos
criados também não ocasionaram problemas. Esses grupos de consumidores
se organizam que jardineiros cultivem para todos. Para ser sócio, cada
integrante paga cerca de 100 dólares por mês (aproximadamente 320
reais), e, em troca, recebe os 40 gramas permitidos por lei, 480 gramas
anuais. “Até o momento retiramos pelo menos 12.000 pessoas do mercado
ilegal. Isso já é um êxito. E continuaremos expandindo nossos
resultados”, afirma Calzada, idealizador da lei.
“Foi difícil se organizar para fazer uma colheita constante, mas
agora tudo funciona perfeitamente. Conseguimos que nenhum de nossos
sócios dependa do mercado negro, é uma mudança histórica no Uruguai e no
mundo”, conta Martín Gaibisso, fundador de um dos primeiros clubes
cannábicos. No Uruguai já começa a haver maconha de alta qualidade por
todos os lugares. Usuários fumam nos parques, às margens do Rio da
Prata, e nas mesas exteriores dos restaurantes, o consumo foi
completamente normalizado. Devagar, sem pressa, ao estilo uruguaio, o
país está mostrando ao mundo as consequências de aplicar outra política
com relação às drogas leves.
O seguinte passo, com o qual muitos já sonham, é se converter em uma
potência do cultivo da maconha com fins medicinais, e não recreativos,
um grande negócio mundial, já que vários países, também na América
Latina, estão aprovando a comercialização da planta para esse uso. O
atual Governo, do médico oncologista Tabaré Vázquez,
é muito mais moderado do que o de Mujica – embora pertençam à mesma
coalizão política –, e resiste a ir mais longe. No entanto, o consenso
existente sobre o tema da legalização fez com que ele não se animasse a
barrar a lei. Apenas atrasou a venda em farmácias, que agora já está por
começar. A maconha vendida nas farmácias será mais suave do que aquela
que se cultiva em casa, para evitar inconvenientes para consumidores
esporádicos. Ainda assim, será uma versão mais forte e muito superior ao
“prensado paraguaio” que se vende ilegalmente nas ruas.
Um membro da Rede de Usuários de Drogas e Cultivadores de Cannabis do Uruguai posa para uma foto ao lado de um pé de maconha.EFE
“Nossa maconha terá um THC de 7%. Poderíamos ter chegado a 20%, mas
está bem assim. A droga vendida nas farmácias terá como público
principal consumidores pouco frequentes, jovens ou idosos que queiram
usá-la para combater dores. Isso é um lucro enorme para minha geração,
que cresceu na ditadura, quando uma pessoa era presa por fumar um
baseado. A chave para que o Uruguai possa chegar a ser um líder mundial
agora é desenvolver a maconha medicinal”, afirma Gastón Rodríguez,
acionista de Symbiosis, uma das duas empresas uruguaias designadas pelo
Governo para colher duas toneladas anuais de maconha. Além disso,
Rodríguez é representante regional de Medropharm, uma empresa suíça que
busca introduzir a cannabis medicinal em toda a região.
Rodríguez e sua equipe possuem, armazenada e empacotada, uma grande
quantidade de maconha, em caixas de 5 e 10 gramas, à espera da ordem
para levá-la às farmácias. No total, 4.000 pessoas se registraram para
comprá-las, mas se estima que muitas mais o façam depois de que o
processo tenha início.
“Começaremos na primeira quinzena de julho”, confirma Diego Olivera,
secretário geral da Junta Nacional de Drogas, órgão especializado do
Governo. “A droga tem uma desenvolvimento genético exclusivo para
tranquilizar nossos vizinhos. Assim, se chegassem a encontrar droga do
Uruguai em qualquer outro país seria possível identificá-la rapidamente,
é inconfundível. No entanto, não acreditamos que isso chegue a
acontecer, está muito bem controlada a quantidade de maconha que pode
ser comprada. Estabelecemos padrões de segurança similares aos do
sistema financeiro. Muitos países nos estão consultando, como o Canadá,
por exemplo. A proibição da droga não atingiu seus objetivos, por isso,
muitos governantes estão buscando alternativas”, explica.
A lei que determina a legalização da maconha conta com poucas
críticas. A principal resistência veio, precisamente, do atual
presidente, Tabaré Vázquez, que ao final se rendeu ao fato de que já não
podia mais atrasar o processo. Tudo está sendo feito sem estridências,
ao estilo local. “Demonstramos que somos um país sério, no qual o Estado
consegue controlar esse tipo de coisas. Mujica entrará para a história
por sua iniciativa. Daqui a 30 anos o consumo legal da maconha será
visto como algo normal em muitos países. O Uruguai conseguiu recuperar,
dessa forma, sua tradição de vanguardista liberal”, garante Eduardo
Blasina, responsável pela criação do museu da cannabis em Montevidéu,
que possui em seu jardim, além de enormes pés de maconha, alguns de
peiote. Tudo acontece com normalidade, como só os uruguaios sabem fazer.
Por isso, uma revolução silenciosa como essa não poderia ter começado
em outro lugar.
Não me convencem as teorias a tentarem encontrar «bodes expiatórios» inquisitorialmente, venham de que lado vierem do espectro ideológico. Os fogos aconteceram agora recentemente por muita negligência (queimadas de matos cortados imprevidentes, pontas de cigarro atiradas de carros em andamento, faíscas de fios elétricos junto a árvores que não deviam estar junto desses fios,...) o que associado a uma seca extrema (que se vai repetir nos próximos anos pois as Alterações Climáticas, por causas humanas, estão cada vez piores) e associado a muitas monoculturas de eucalipto pirófilo/amigo do fogo, cujas projeções das folhas planas que sobem a arder no ar quente do fogo e pelo vento criam novos focos de incêndio exponencialmente... e sem uma gestão florestal eficiente (com aceiros, cortes de matos, etc...) e com plantação e replantação de floresta autóctone (espécies pirófitas = que resistem ao fogo), entre outras questões, temo, e tenho a certeza, que cenários semelhantes de incêndios descontrolados se vão repetir... infelizmente (e independente das forças políticas no Governo)
Alterações climáticas já custaram 6,8 mil milhões de euros a Portugal
Entre
1980 e 2013, o aumento de situações de calor extremas, a redução da
precipitação, as secas severas e os fogos florestais significaram perdas
de 6,783 mil milhões de euros.
O
trabalho "Alterações Climáticas, Impactos e Vulnerabilidades na Europa
2016" foi elaborado pela Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla em
inglês) e realça que o sul da Europa, com destaque para a península
ibérica, vai ser mais atingido pelas mudanças do clima no futuro, mas já
regista aumentos de situações extremas de calor, redução da
precipitação e dos caudais dos rios, a que acresce o risco de secas
severas, perdas na agricultura e na biodiversidade, assim como de fogos
florestais.
Na análise económica dos efeitos das mudanças do
clima, a EEA estima que os custos tenham atingido 6,783 mil milhões de
euros, entre 1980 e 2013, dos quais somente 300 milhões, ou seja, 4%, estavam cobertos por seguros.
Aquele valor total representa 665 milhões de euros de perdas por cada português e 0,14% do Produto Interno Bruto (PIB).
No total da Europa, os custos relacionados com as alterações climáticas atingem 393 mil milhões de euros,
com a Alemanha a liderar, ao chegar aos 78,7 mil milhões, ou mil
milhões per capita, dos quais 44% estavam cobertos por seguros.
A
Suíça é o país com um valor de custos mais elevado por cada cidadão -
2,517 mil milhões de euros - e o Reino Unido é aquele que apresenta a
maior percentagem de perdas cobertas por seguros - 68%.
"As
alterações climáticas vão continuar por muitas décadas no futuro" e a
dimensão destas mudanças e dos seus impactos vão depender da
concretização dos acordos globais para reduzir as emissões de gases com
efeito de estufa, mas também de ser assegurado que foram adotadas as
corretas políticas e estratégias para reduzir os riscos dos atuais e
projetados fenómenos climáticos extremos, realça o diretor executivo da
EEA, Hans Bruyninckx, citado no relatório.
Apesar de algumas
regiões puderem apresentar impactos positivos, como a melhoria das
condições para a agricultura no norte da Europa, a maior parte dos
países e setores económicos "vão ser negativamente afetados", refere a
EEA.
Ondas de calor mais frequentes e mudanças na distribuição das
doenças infecciosas relacionadas com as condições do clima deverão
aumentar os riscos para a saúde humana e para o bem-estar, outra área da
vida dos europeus a ser afetada.
A península ibérica é referida
no relatório como exemplo de região onde já se observam algumas
mudanças, como a diminuição da precipitação, principalmente no centro de
Portugal.
A erosão costeira já provocou "significativas perdas
económicas, estragos ecológicos e problemas sociais", aponta ainda a
EEA, dando mais uma vez o exemplo de Portugal, que "investiu 500 milhões
de euros na reabilitação de dunas e de frente mar e na defesa" entre
1995 e 2003, entre Aveiro e Vagueira.